domingo, 19 de outubro de 2008

Cafofos dentro de nós

Como eu escrevi outro dia, o cafofo não é o lugar onde a gente mora, é um lugar que mora dentro de nós. Um lugar que me lembra a garagem do meu avô, onde a gente guarda um monte de coisas que a gente só entende porque guardou quando sente falta delas.

Esse meu cafofo está incrivelmente lotado... tão entupido de coisas que faz todo o resto parecer vazio. Guardei lá sonhos, planos, expectativas. Guardei um projeto de vida que era pra ser vivida à dois, no qual realizações, alegrias, tristezas seriam compartilhadas. Guardei um amor imenso, tão grande que eu não sabia direito nem como lidar com ele.

Com tudo isso empilhado no cafofo, não sobrou quase nada aqui fora. Aliás, sobrou sim... Uma enorme tristeza que eu não consegui trancar lá dentro, e que contagia cada coisa que eu faço. Não estou mais fazendo aquilo que, no post passado, eu disse que estava. Até mesmo porque cada uma daquelas atitudes só fazia a tristeza crescer... Estou me cuidando, tentando colocar coisas positivas na minha vida, tentando me ocupar pra ver se eu ocupo o espaço dessa tristeza e ela se toca e vai embora.

Gente, falando sério... eu nunca imaginei que se pudesse sentir tanta falta de alguém, assim...

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

O que eu ando fazendo...

Ando fazendo tudo que qualquer médico desaconselharia a um cara de quase 45. Bebendo demais, todo dia... e fumando demais também. Ainda mais depois de hoje, quando ouvi no rádio (outra coisa que ando fazendo demais) que trocentos por cento da nossa possibilidade de ter um enfarto vem da carga genética... E afinal, mamãe se foi com 42.

Ando sonhando demais. Não aqueles sonhos que a gente sonha dormindo, porque estes geralmente têm baratas. Sonhando acordado com coisas que eu deveria ter sonhado quando eu era bem mais novo e bem menos contaminado. Sonhando com carreiras acadêmicas e cátedras só porque eu consegui, depois de 42 anos, me formar, e depois de um ano e meio terminar um mestrado.

Ando conhecendo gente feia e lugares feios demais. Isso me preocupa mais do que as outras coisas. Significa que eu ando me violentando pra me tornar agradável ou sociável. E tenho visto muito mais feiúra do que beleza nos lugares e nas pessoas. O que pode significar três coisas: que o meu nível anda baixando terrivelmente, que eu prefiro beber para esquecer o lugar onde estou, ou que eu não consigo mais enxergar a beleza na feiúra. Nenhuma das três alternativas é nada agradável.

Ando gastando dinheiro demais... o que também é um mau sintoma. A gente sempre espera tirar do bolso aquilo que não consegue tirar da vida.

Resumindo... ando esquecendo de mim. Ando me privando de tudo que poderia ser meu em prol de um "outro" idílico e idealizado, que talvez exista só em sonhos (daqueles sem baratas), e que eu insisto em dizer que eu conheci.

Eu ando fazendo a coisa errada, né? Agora, por exemplo, eu deveria estar dormindo.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Saindo fora... e fechando a porta atrás de mim.

Eis que se passaram dois meses desde que Virgínia, Priscila e Suzane entraram no Cafofo... e nenhum de nós quatro está mais lá. Aquele cafofo está mais vazio do que nunca e, de mim, lá só ficou a persiana, o box do banheiro e o armário da pia... que eu espero que sejam úteis para o próximo ocupante. Certamente vieram comigo algumas lembranças, também... Lembranças de taças de vinho, noites de prazer e planos inconclusos. Mas as lembranças dominantes - depressão, pranto, falta de perspectivas - eu fiz questão de deixar por lá quando eu saí. Espero que não grudem nas paredes como velhos fantasmas e se dissipem na primeira faxina.

Se a pequenez do Cafofo me oprimia, a amplidão da minha casa, ao contrário, amplia meus horizontes. Descobri que é muito mais fácil se sentir só quando se dispõe de quatro paredes apenas, do que quando se tem vários cômodos, múltiplos cafofos entre os quais transitar. Isso deve ser coisa de quem já passou dos 40: sente-se falta de uma certa dignidade, não é mesmo? Que, com essa dignidade, venham novos planos e, quem sabe, que alguns deles dêem certo

Pensei até em encerrar este blog. Mas não... Acaba que, no fundo, o verdadeiro Cafofo não é simplesmente o lugar onde a gente mora, mas o lugar que mora dentro da gente. E aqui eu escrevo coisas que eu não escrevo em outros lugares. Coisas que falam do cafofo dentro de mim e que precisam ser externadas. Portanto, vou deixar uma imagem do velho Cafofo que eu acho que representa bem o que vem de agora em diante. Uma foto que eu tirei da janela, no meu último dia lá... Novos horizontes!



sexta-feira, 4 de julho de 2008

Virgínia, Suzane e Priscila

Hoje a solidão do Cafofo está preenchida de uma forma que eu não tinha imaginado. Sabe aquelas idéias que você tem e não sabe muito bem por quê?... Às vezes elas dão certo.

Virgínia chegou aqui ontem. Acho que foi paixão à primeira vista. Não acreditava muito no que podia acontecer, mas no momento que ela entrou aqui, tudo se encheu de vida... De repente eu tinha vontade de conversar, de colocar umas músicas bonitas pra ela ouvir. Pensei até em tocar violão pra ela, e talvez eu faça isso hoje.

O problema é que, onde eu conheci a Virgínia, a Priscila também tinha chamado a minha atenção. Na verdade, ela era mais vistosa, talvez até um pouco perua. Mas tinha um certo ar de solidão que me atraiu. Virgínia é mais "pé-no chão". Mas Priscila, me olhando de cima para baixo, parecia dizer "me leva que eu te domino com a minha beleza... sei que você tem um lugar para mim".

Não resisti... Priscila está aqui em casa, agora.

Mas aí veio outro problema... Números pares são sempre complicados. Não gosto muito deles. Meus anos pares, por exemplo, nunca me trouxeram boas recordações. E, quando eu fui buscar a Priscila, meu olhar necessariamente se desviou para outras tantas moças bonitas... e eu a vi. Ali, escondidinha em um canto. Era a Suzane. Pequena, nada exuberante, mas com aquele jeito aconchegante que sempre cabe ao seu lado, em sua cama... se é que eu me faço entender. E ela veio pra cá, também.

Agradeço a elas por me fazerem descobrir que, na pequenez do Cafofo, há espaço para outros seres vivos. E que elas ocupam esse espaço de forma maravilhosa, trazendo beleza e alegria, mesmo eu tendo pagado por elas...

Virgínia, Priscila e Suzane. Minhas três plantas.

terça-feira, 24 de junho de 2008

O útil e o fútil

Ainda ontem (ou foi hoje de madrugada?) eu estava escrevendo aqui sobre essa coisa de ser útil... É interessante. Estive pensando melhor sobre isso e cheguei à conclusão que o interessante não é ser inútil, mas sim ser fútil. Não fútil como qualidade intrínseca da pessoa, ou seja, apenas se importar com futilidades, mas fútil como um objeto que se possui apenas por prazer.

Afinal, o que é uma coisa útil? É algo que serve a um determinado propósito, mas que você não dá nenhuma importância especial. Algo que é descartável por natureza. E algo do que as pessoas só sentem falta se precisam dele para fazer alguma coisa. Um saca-rolhas é útil. Mas ninguém sente falta de um, a não ser que tenha uma garrafa de vinho para abrir.

E, o que é pior!... Coisas úteis são facilmente substituíveis. Mesmo que você tenha uma garrafa de vinho para abrir e não tenha um saca-rolhas, haverão outros métodos (mesmo que mais trabalhosos) para abri-la. Útil é aquilo que diminui o seu trabalho. Uma faca cega e impossível de amolar, por exemplo, aumenta o seu trabalho. Seu único destino é o lixo.

Agora... uma coisa fútil é completamente diferente! Sua única razão de ser é dar prazer, e esse prazer não está, de forma alguma, associado à sua serventia. Por isso costumamos preservar indefinidamente nossas coisas fúteis. O precisar associado a algo fútil é completamente diferente do precisar associado a algo útil. É algo visceral, que vem de dentro, que nos completa. Ficamos felizes cada vez que obtemos alguma coisa fútil, porque ela vem ao encontro dos nossos desejos. Ninguém fica feliz ao comprar uma escova de dentes ou um rolo de papel higiênico.

Fútil começa com F... F de felicidade, de festa, de farra, de foda. Útil começa com U de uniforme. Nossas coisas fúteis ficam expostas, iluminadas. Temos prazer em exibi-las. Aquilo que é útil fica guardado em gavetas; só vê a luz por breves instantes e depois retorna ao escuro que permeia a utilidade.

Ei! Você esqueceu?

Esqueceu das noites intermináveis?
Da pouca vontade de dormir,
Da necessidade de ficar junto,
Do suor, do sono e do cobertor?
Das garrafas de vinho e
De pernas que não cansavam de se entrelaçar?

Ou era tudo mentira
E teu gozo era fingido?

Esqueceu das madrugadas geladas?
Do meu olhar no teu rosto,
Dos meus dedos no violão
Tocando pra você dormir?
Do sonho que um dia eu fui e
Que quando você dormia era pra ser eterno?

Ou era tudo mentira
E teu sonho era momentâneo?

Ei!
Você esqueceu?
Não te pedi nada além do que você queria.

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Outra segunda...

Mais uma segunda-feira. Tumultuada, como sempre... A cada segunda-feira é extremamente necessário que as pessoas coloquem os pés no chão, se aterrem e percebam o lugar ao qual elas pertencem. Essa sensação de "pertencer a algum lugar" é fundamental para começarmos as semanas sabendo o nosso lugar no mundo.

Eu, por exemplo, pertenço ao Cafofo. Conforme os dias avançam isso se torna cada vez mais claro para mim. Outros banheiros e camas já não são tão aconchegantes. O motivo é simples: eles não são meus. Logo, neles eu quando muito posso fingir que sou eu, ou ser um "eu" que eu já não sou mais.

Aqui no Cafofo eu descobri que eu não sirvo pra nada. Isso é uma sensação nova e extremamente reconfortante: não servir pra nada. Não conserto torneiras que eu não quebrei, não limpo a sujeira que eu não fiz, não pago contas que não são minhas, não procuro coisas que eu não perdi, não lembro de compromissos que eu não marquei, não faço almoços que não sejam para mim. Sou um completo inútil!

O mais interessante dessa minha total inutilidade, aqui no Cafofo, é que ela me transforma numa pessoa diferente. Sou outro eu, nesse lugar ao qual pertenço, ou que me pertence. Uma pessoa que desperta desejo, que é interessante, criativa. Sou uma espécie de paradoxo, pairando entre essa minha necessidade intrínseca de ser útil e a inutilidade que me eleva a um outro eu, que é muito melhor que útil: é vivo.

Ou talvez não seja nada disso. Talvez eu apenas esteja me pautando pela ilusão alheia, que deseja desesperadamente que eu não seja eu mesmo, mas sim, de preferência, algo bastante distinto de mim. Que não percebe que não é o lugar onde eu estou que me faz, ao passo que precisa me associar a outro lugar para poder fingir que eu não sou eu.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Manhãs de segunda

As manhãs de segunda são complementos ideais pras noites de domingo. Longe de serem aquela coisa estereotipada à la "gracinhas sem graça do Faustão", elas transmitem a real dimensão daquilo tudo que você pensou no domingo: ou seja, o que você ia fazer e na verdade não vai. Tudo aquilo que você achou que era e na verdade, não era.

De uma forma meio estranha, eu tenho me identificado, nesse pouco mais de mês e meio de Cafofo, com uma classe hoje em dia meio marginalizada: a das donas-de-casa. Sabem aquelas donas-de-casa tradicionais, que eram uma espécie de modelo ideal da mãe e da esposa, há pouco mais de um século? Ou melhor... que ainda são, para a maioria dos homens imbecis que povoam esse planeta. Pois é... tenho as compreendido melhor.

Vejamos... O que é o domingo para essas pessoas tristes, acabadas e sem graça? A perspectiva de, depois de acordar cedo e cuidar das crianças, ser levada para almoçar pelo "maridão" em alguma churrascaria vulgar ou pizzaria disgusting, onde ela, sem dúvida, vai ter que ficar administrando o conflito entre as crianças. Depois, vai pra casa continuar administrando tal conflito, enquanto o "maridão" se refestela de cerveja diante de algum jogo de futebol.

Sim... Isso é bem o estereótipo das "gracinhas sem graça do Faustão", eu sei. Mas ele se esquece de dizer que essas senhoras, nas noites de domingo, depois de colocarem as crianças para dormir e, quem sabe, cumprir a sua "obrigação conjugal", estarão com a mente repleta de pensamentos como os meus. Pensarão em qual é o valor que elas realmente têm. Em como elas eram, e "ainda são", pessoas especiais. Em quanto tudo o que fazem é sempre em vão, e em quanto qualquer deslize é o suficiente para transformá-las em aberrações inúteis. E, se não tiverem tendências suicidas ou homicidas, dirão igualmente que na segunda de manhã irão mudar tudo. E, na verdade, não mudam nada.

Terapia de segunda de manhã: cumprir as obrigações - café da manhã, crianças na escola, etc. e tal. Depois, uma boa faxina!... Panos, vassouras e rodos em atividade são aquela atividade física que você se prometeu. Talvez ouvindo aquela música que, normalmente, você não ouve. Você, dona-de-casa típica, será, como eu, inundada por uma corrente de serotonina que jogará todas as suas frustrações pelo mesmo ralo onde você torceu o pano imundo. Mas de repente bate uma dor de barriga e você tem que encarar com a sua bunda (encarar com a bunda?) a umidade da privada que você acabou de lavar. E isso traz qualquer um de volta à realidade.

Claro que há diferenças... Aqui no Cafofo os brinquedos caros que enfeitam a casa (guitarras, violões, equipamento de som) são meus. O cheiro que eu disfarço com produtos de limpeza e incenso é o do meu próprio cigarro. Mas a tristeza imensa do "isso não vai mudar nunca" é a mesma...

Acho que vou desafiar os médicos e tomar uma atitude típica de dona-de-casa revoltada: voltar a trabalhar. Mas vou deixar pra pensar nisso no próximo domingo à noite e colocar em prática na segunda de manhã.

Noites de domingo

Não... Não tem quinze dias que eu não escrevo aqui. Na verdade, tem quinze dias que eu começo a escrever e não termino, e fica tudo esquecido como um "rascunho" que, na verdade, nunca será terminado. Afinal, escrever alguma coisa, ainda mais que tenha a ver diretamente com a gente, é sempre algo "pá-pum!". Ou sai na hora ou não sai.

Mas fins de fins-de-semana são sempre uma boa possibilidade de pintar um "pá-pum!". As noites de domingo, ao menos para mim, sempre foram um bom momento pra olhar pra trás e ver tudo aquilo que não é. Tudo aquilo que poderia ter sido. Tudo aquilo que nunca vai ser. Ou, pior ainda, tudo aquilo que já foi e não será de novo.

Noites de domingo são sempre muito diferentes dos "dias de domingo" do Tim Maia. Ao contrário de todas aquelas cenas idílicas da música, a única "voz do coração" que fala nas noites de domingo é uma voz cansada, que nunca "fez de conta que ainda é cedo". Pelo contrário, ela sempre acha que já é tarde demais...

Não existe salvação nas noites de domingo. Mesmo para os crentes e devotos, toda esperança de redenção se exauriu há algumas horas atrás, quando o padre disse amém e os sentenciou a que fossem em paz e que o Senhor os acompanhasse. Na verdade, porém, o que acontece é que o Diabo nos carrega, e vamos curtir a ressaca de fim de domingo, sejamos religiosos ou não. Fico imaginando se o padre também sente isso ou, já que pra ele todo dia é domingo, basta tomar mais uma taça de um bom vinho, sem a obrigação de transformá-lo em sangue....

Domingos têm algo de definitivo... É ao fim dos domingos que temos a nítida percepção que pretendemos, na semana que se inicia, fazer um monte de coisas que não faremos. Seremos mais magros, mais corretos, mais pontuais, levaremos uma série de coisas mais a sério e levaremos a vida bem menos a sério. Teremos amores, aventuras, prazeres. Seremos pessoas novas depois do domingo. E, ao mesmo tempo, nos bate a certeza absoluta que seremos a mesma merda.

Um bom domingo nos leva a pensar no nosso verdadeiro lugar no mundo. Com sorte, nosso time ganhará o jogo, um brasileiro será vitorioso na Fórmula 1, nossas crianças não encherão muito o saco. E, no fim da noite, pensaremos que foi o time que ganhou, que foi outro brasileiro que ganhou, e não nós. Quando muito, alguns terão o consolo de saber que as crianças enchem o saco por quererem sua companhia, não sua conta bancária.

Fico aqui pensando há quanto tempo os meus domingos têm sido iguais, e não por causa da segunda-feira que se aproxima. O quanto eles me têm feito cair na real. Passar um final de semana em pleno gozo da minha função familiar e paterna, entre ping-pongs, parques de diversões, vestibular de filho e filmes no DVD. Acordar cedo e fazer o café, e de repente um cachorro-quente pra estragar as crianças logo de manhã. Comprar o frango e fazer o "macarrão do papai" com molho branco...

Aí olhar pra trás e ver que não rola mais o "ninho de gente" assistindo filme no sábado à noite. Afinal, as costas doem... Que as tristezas acumuladas ao longo dos anos nunca vão se transformar em alegrias. Que tudo aquilo de parques, vestibulares, filmes e cachorros-quentes é ilusório e se desfaz com a mesma facilidade que uma mensagem qualquer é postada num "site de relacionamentos" qualquer.

Afinal, os domingos nos mostram que toda aquela nossa suposta realidade, aquilo que acreditamos ser real - filhos, ping-pongs, macarrões - são meras quimeras onde escondemos aquilo que poderíamos ser. Nossa verdade, em cada domingo, está escrita apenas nos lugares onde nos situamos indefesos e indefensáveis.

Talvez essa seja a grande verdade dos domingos: somos obrigados a encarar que não somos aquilo que pensamos de nós. Nosso lugar no mundo não é feito de algum agradável aroma de rosas que damos ou recebemos, mas do fedor de esgoto com que deparamos quando abrimos a porta do Cafofo. Não somos aquilo que pensamos que somos. Somos aquilo que, miseravelmente, pensam de nós, não importa o que façamos.

sábado, 31 de maio de 2008

O bom músico de bar

Existem umas lendas sobre músicos, especialmente aqueles que tocam num bar...

Tá certo que músico que nunca tocou no bar nem ao menos músico é, mas não vou entrar nesse mérito. Afinal, não merece o meu respeito quem nunca cantou "Canteiros" ou "Espanhola" e não era, pelo menos, Cazuza.

Mas voltemos ao tema inicial... Uma das lendas é que o músico do bar sempre leva no fim a mulher mais bonita (que estava no bar, é claro, o que pode ser um parâmetro bem duvidoso). Puta mentira!... O músico do bar só leva pra casa uma solidão imensa. A saudade das músicas que ele tocou e foram aplaudidas. O "durante" do bar pode ser ótimo. O "depois" é só enrolar fios, guardar caixas de som e pensar no que não houve.

Eu sou um músico de bar... Todas as mulheres (dos outros) me olham admiradas enquanto estou cantando, especialmente se eu canto alguma música que pra elas foi marcante. Todas me deixam até um pouco sem graça, por saber que, por um breve instante, eu sou mais importante do que o panaca ao lado.

Mas, é claro, como bom músico de bar, eu durmo sozinho. O som da noite se transforma só em silêncio. As portas se fecham, as cortinas se fecham, cada um vai pro seu lado. E mesmo o melhor músico de bar - a não ser que seja menos músico e mais garanhão, como muitos que eu conheci - vai dormir só com as lembranças daquelas músicas que valeram a noite. E com as lembranças das muitas que não foram tocadas, até porque não haveria ninguém que ouvisse.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Clastres e os claustros em que nos escondemos...

Lendo aqui um texto de um antropólogo maravilhoso, e maravilhosamente morto prematuramente (já que quase ninguém que dura demais faz nada, além de viver demais), fiquei surpreendido ao ver como a simplicidade pode ser complexa e marcante.

Como ninguém lê isso aqui, posso me permitir ser bastante longo numa citação. Portanto, eis o trecho:

"A pedagogia dos Guayaki se estabelece principalmente nessa grande divisão de papéis. Logo aos quatro ou cinco anos, o menino recebe do pai um arco adaptado ao seu tamanho; a partir de então ele começará a se exercitar na arte de lançar com perfeição uma flecha. alguns anos mais tarde, oferecem-lhe um arco muito maior, flechas já eficazes, e os pássaros que ele traz para a sua mãe são a prova de que ele é um rapaz sérioe a promessa de que será um bom caçador. Passam-se ainda alguns anos e vem a época da iniciação; o lábio inferior do jovem de cerca de quinze anos é perfurado; ele tem o direito de usar o ornamento labial, o beta, e é então considerado um verdadeiro caçador, um kybuchuété. Isso significa que um pouco mais tarde ele poderá ter uma mulher e deverá consequentemente prover as necessidades do seu novo lar. Por isso, o seu primeiro cuidado, logo que se integra na comunidade dos homens é fabricar para si um arco; de agora em diante membro 'produtor' do bando, ele caçará com uma arma feita por suas próprias mãos e apenas a morte ou a velhice o separarão do seu arco. Complementar e paralelo é o destino da mulher. Menina de nove ou dez anos, recebe de sua mãe uma miniatura de cesto, cuja confecção ela acompanha atentamente. Ela nada transporta, certamente; mas o gesto gratuito de sua marcha - cabeça baixa e pescoço estendido nessa antecipação do seu esforço futuro - a prepara para o seu futuro próximo. Pois o aparecimento, por volta dos doze ou treze anos, da primeira menstruação e o ritual que sanciona a chegada da sua feminilidade fazem da jovem virgem uma daré, uma mulher que logo será esposa de um caçador. Primeira tarefa do seu novo estado e marca da sua condição definitiva, ela fabrica o seu próprio cesto. E cada um dos dois, o jovem e a jovem, ascendem dessa forma à idade adulta.
Enfim, quando morre um caçador, seu arco e suas flechas são ritualmente queimados, como também o é o último cesto de uma mulher: pois, como símbolos das pessoas, não poderiam sobreviver a elas."

Enfim, esse é o trecho de Pierre Clastres. Claro que os negritos são meus. E claro que ninguém vai entender porque esse trecho me trouxe lágrimas aos olhos.

Experimentem ensinar a fazer o próprio arco ou o próprio cesto. E descobrir que falharam. Que ainda querem (ou precisam) usar o seu arco ou o seu cesto. Na sociedade dos Guayaki, após isso, suas flechas, seu arco ou o seu último cesto não seriam queimados. Seus filhos não seriam homens nem mulheres. Não haveria símbolos que lembrassem você ou seus descendentes. Você seria simplemente esquecido.

Paganismo, né?... Tem um monte de "pagãos" por aí... Eles querem ser esquecidos porque falharam? Claro que não! Eles querem ser reconhecidos justamente por suas falhas, esquecendo que, no verdadeiro mundo pagão, não há espaço para falhas. Mas, no paganismo "de mentirinha", ninguém precisa construir o seu próprio arco ou o seu próprio cesto: basta comprar na lojinha da esquina e declamar aos quatro cantos que homens podem comprar cestos e mulheres comprar arcos. E, é claro, acender alguns incensos e algumas velas pela diversidade pós-moderna que eles afirmam veeementemente como paganismo.

Bem... Eu acho que nem falhei (posso estar redondamente enganado) e já fui esquecido. Sou pagão demais, talvez. Me fecho no claustro e leio Clastres, enquanto filhos e filhas, ensinados a fazer arcos e cestos, acham que ainda têm que usar os meus.

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Lá no terraço

Hoje, pela primeira vez, eu subi lá no terraço de noite. Achei engraçado o contraste do imaginário com o real. Afinal, uma das coisas que eu gostei aqui do Cafofo foi a existência desse terraço, de onde eu podia enxergar vastos horizontes e, quem sabe, tocar meu violão.

Não tive vontade nenhuma de tocar nenhum violão e, embora os "vastos horizontes" estivessem ali, não foi eles que eu enxerguei. O que eu vi foi um aglomerado de casas - grandes, bonitas - onde a presença dos carros nas garagens e as luzes acesas predispunham a acreditar num fim de dia meio suburbano e meio familiar.

Olhei as casas e parei. Tive que descer as escadas e voltar pro Cafofo. Aquela suburbanice de casas bonitas, luzes acesas e famílias em convívio foi um pouco demais pra mim.

Tudo sempre o mesmo...

Bem... como não era de se estranhar, "eu por eu mesmo" não passou de um fugaz momento de descontração. Não somos nós por nós mesmos. Somos resultado do retrato que fazem de nós, quer queiramos, quer não. Alguns retratos são sutis, outros nem tanto. Mas todos eles fazem parte da construção da nossa própria imagem.

Imagino que haja alguns caras que liguem pra sua mulheramada e digam "estou indo lhe buscar agora". E que cheguem ao destino e encontrem a mulheramada com um certo sorriso de impaciência, visto que elas esperaram cinco minutos por um agora premente.

Imagino que haja alguns caras cujo telefone toque, seja a ex-mulher do outro lado da linha, e ela queira apenas dar os parabéns por algo que você fez, ou uma boa notícia. Talvez pela força que você deu no trabalho escolar de algum filho, ou algo parecido...

Acho que, de repente, eu gostaria de ser um desses caras. Alguém que fosse sedutor o bastante para despertar o anseio da mulheramada, ou eficiente o bastante para despertar o respeito dos seus (como diria minha ex-mulheramada Elisete, ou o meu quaseparceiro Mongol) ex-amores.

Mas não sou, na verdade, nada disso. Sou só o cara que espera dentro do carro enquanto a rosa murcha. Gasto minhas tardes fazendo algo que meu filho precisa em troca de frases tão construtivas quanto...

"Vai tomar no meio do olho do seu cu, seu viado louco!"

E aí volto pro cafofo, pra solidão e pro desconforto sem fim. Destino de um viado louco que, amanhã, não pode esquecer do horário, das contas pra pagar, do que é infinitamente supérfluo, mas é infinitamente indispensável.

Resumindo... Moral da história: todo viado louco tem mais é que tomar no cu. Quem mandou achar que é pai, marido, acadêmico? Vontade de complicar as coisas, não é mesmo? Vou tentar simplificar e buscar a companhia infalível da lata de Skol ou da taça de conhaque, que podem até me fuder, mas nunca me deixam sozinho ou me mandam tomar no cu.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Eu por eu mesmo

Foi necessário terminar o bendito texto do dia das mães (o post anterior) antes de escrever o que eu realmente queria escrever. Ele estava engasgado na minha garganta (ou nos meus rascunhos) e travando a fluência natural das coisas aqui do cafofo.

Afinal, nem tudo que surge aqui do cafofo tem que ser, necessariamente, deprimido ou deprimente. Pelo contrário: a minha convivência diuturna com o cafofo tem me feito descobrir coisas que eu ao menos imaginava... Ôps!... Não é bem assim: tem me feito descobrir coisas que eu imaginava, mas que eu não levava muito a sério.

Por exemplo... Eu sou um ótimo pai. Não tenho dúvida alguma disso. Nunca falhei com os meus filhos em momento algum, e estou sempre pronto e próximo quando eles precisam de mim. Posso até fazer uma ligeira exceção em relação ao Bruno, mas isso foi mais circunstância do que vontade, de ambas as partes. Afinal, quando ele finalmente me procurou, eu estava bem aqui. Aliás, essa coisa de "pai" é, seja lá fruto do que seja, uma coisa marcante em mim. Sou pai de filhos meus e não meus, e me sinto extremamente orgulhoso do que sou e represento para eles.

Sou também, de uma forma ou de outra, excelente marido. Não sou perfeito, é claro... Estou sujeito a variações de humor e a pressões que todo homem ocidental está sujeito. Mas estive e estou sempre pronto a apoiar as minhas companheiras, sejam elas as presentes ou as passadas. Fui "marido" diversas vezes e não creio que nenhuma das minhas "ex" possa reclamar diretamente da minha figura de marido (embora possam, eventualmente, reclamar da minha figura de "homem").

Por fim, sou um excelente acadêmico e fui (e pretendo voltar a ser) um excelente professor. Dediquei quase toda a minha vida e todo o meu tempo livre ao estudo, e obtive minhas recompensas por isso. Reencontro alunos que lembram de mim com respeito e admiração regularmente. Recebo de meus pares e superiores no mundo acadêmico repetidos e constantes elogios.

Bem... "eu por eu mesmo" é só um momento de descontração, ok?... Uma manhã junto com minha pilha de livros, minha lapiseira e meu bloco de rascunho. E a sensação de ter conseguido sintetizar, ainda que só na minha mente, o final da minha tese de mestrado. Talvez agora à tarde eu consiga tirar uma soneca devido a essa sensação de "missão cumprida", e consiga sair daqui e dar aos meus filhos, amigos, companheiras, aquilo que eles precisam mais imediatamente de mim.

E consiga manter a sensação de que isso vai ser, de alguma forma, reconhecido.

domingo, 25 de maio de 2008

Mães, discos e memórias

Hoje eu estava pensando.... (nossa, que coisa incrível!)... Quando eu era pequenininho, eu remexia nos discos da minha mãe, e e achei umas coisas que me fizeram cantar pelo resto da vida. Eram umas coisas de Beatles e Bee Gees que eram só dela.


Acho que nunca ouvi minha mãe ouvindo um disco por iniciativa própria. Ela ouvia música por iniciativa do meu pai ou minha. Não sei o que ela fazia entre o almoço e o tempo que ela botava meu irmãozinho pra dormir. Sei que a gente via uns filmes velhos de Drácula nas madrugadas em que o meu pai não estava. E que provavelmente ela me ouvia ouvir os discos dela. E que eu não estava quando o coraçãozinho dela - que já não ouvia Beatles ou Bee Gees a não ser por meu intermédio, parou de bater.

Mamãe tinha uns 26 anos quando eu nasci. Quadris largos e peitos fartos. Em plena contracultura, foi contracultural o suficiente para ter se casado muito tarde (pelos padrões vigentes), e conservadora o suficiente para fazer o "casamento ideal" da normalista com o cadete. Devo ter orientado minha vida inteira pelo que eu visualizava mentalmente como um ideal de mulher: quadris largos, peitos fartos, contracultural o suficiente para ter discos "da moda" e conservadora o suficiente para abandonar seus próprios sonhos pelo ideal da família perfeita.

É difícil admitir, mas mamãe estava errada. Sufocar-se a ponto de seu coração não aguentar, enquanto seus discos empoeiravam-se e ficavam como uma espécie de herança para mim. Trocar seus belos vestidos e seus bailes por homenagens póstumas... Minha mãe viveu errado, e com isso deixou marcado em mim aquilo que ela não viveu e sua eterna imagem, que eu venho perseguindo há tantos anos.

Não tenho mais todos os discos nem todas as memórias. Mas quando escrevo coisas como o "Colo", me fica claro o quanto a falta de uma mãe imaginada (ou idealizada a partir de colos em filmes de terror na minha pré-adolescência), acaba influindo nos meus sentimentos atuais. Ou sempre influenciaram em todos os meus sentimentos pós-1978.

Sabe, mãe?... Comecei a escrever este post no Dia das Mães e só consegui terminar hoje. Foi o tempo necessário, talvez, pra entender que eu sou grato pelos seus discos, que me iniciaram na música, e pelo seu colo, que me iniciou no valor que eu dou à família. Mas que eu também sou grato pela sua omissão ao longo de vários anos e pela sua desistência final aos 42 anos. Isso me ensinou a não me omitir e nem desistir, por mais doloroso que manter minhas posições e seguir em frente tenha sido.

terça-feira, 20 de maio de 2008

Colo

Tem dias que tudo que a gente precisa na vida é um pouco de colo... É justamente nessas horas que eu fico bolado (como diria meu amigo Decca) com as mulheres. Elas têm uma percepção incrível quando se trata de crianças precisando de colo e são completamente insensíveis quando nós, supostos "machos dominantes", temos a mesma necessidade. No entanto, exigem sempre que estejamos prontos a perceber que elas precisam de colo.

Mulheres são coisas complicadas. Vivem dizendo que homens são meninos, mas não conseguem reconhecer suas próprias fantasias de princesas de contos de fadas. Riem dos "príncipes bobos" e, bobamente, os deixam escapar dentre os dedos, sem nunca reconhecer o quanto eles eram importantes, ou mesmo necessários. Aliás, se os conseguem reconhecer necessários, geralmente apenas os usam e depois retornam aos contos de fadas, enquanto eles, coitados, ficam (como meninos) esperando um colo.

Está certo que, mesmo na plena necessidade do colo, não devemos nos arrogar a prerrogativa de sermos "perfeitos", ou algo que o valha. Isso certamente nunca existiu nem nunca existirá. Existe apenas a ausência do colo, preenchida talvez por algumas latas de cerveja ou algum DVD vazio, mas pleno de ausência. Seja como for, por falta de inspiração própria, recorro nesse momento de falta de colo ao Oswaldo, que quis em algum momento ser mais "durão" que eu e conseguiu apenas ser mais poeta:

"Deixa em cima desta mesa a foto que eu gostava
Pr'eu pensar que o teu sorriso envelheceu comigo
Deixa eu ter a tua mão mais uma vez na minha
Pra que eu fotografe assim meu verdadeiro abrigo

Deixa a luz do quarto acesa, a porta entreaberta
O lençol amarrotado mesmo que vazio
Deixa a toalha na mesa e a comida pronta
Só na minha voz não mexa eu mesmo silencio

Deixa o coração falar o que eu calei um dia
Deixa a casa sem barulho, achando que ainda é cedo
Deixa o nosso amor morrer sem graça e sem poesia
Deixa tudo como está e se puder, sem medo

Deixa tudo que lembrar, eu finjo que esqueço
Deixa e quando não voltar eu finjo que não importa
Deixa eu ver se me recordo uma frase de efeito
Pra dizer te vendo ir, fechando atrás a porta

Deixa o que não for urgente que eu ainda preciso
Deixa o meu olhar doente pousado na mesa
Deixa ali teu endereço qualquer coisa aviso
Deixa o que fingiu levar mas deixou de surpresa

Deixa eu chorar como nunca fui capaz contigo
Deixa eu enfrentar a insônia como gente grande
Deixa ao menos uma vez eu fingir que consigo
Se o adeus demora, a dor no coração se expande

Deixa o disco na vitrola pr'eu pensar que é festa
Deixa a gaveta trancada pr'eu não ver tua ausência
Deixa a minha insanidade, é tudo que me resta
Deixa eu por à prova toda minha resistência

Deixa eu confessar meu medo do claro e do escuro
Deixa eu contar que era farsa minha voz tranqüila
Deixa pendurada a calça de brim desbotado
Que como esse nosso amor ao menor vento oscila

Deixa eu sonhar que você não tem nenhuma pressa
Deixa um último recado na casa vizinha
Deixa de sofisma e vamos ao que interessa
Deixa, a dor que eu lhe causei agora é toda minha

Deixa tudo que eu não disse mas você sabia
Deixa o que você calou e eu tanto precisava
Deixa o que era inexistente e eu pensei que havia
Deixa tudo o que eu pedia mas pensei que dava..."

quinta-feira, 15 de maio de 2008

O que é uma rosa?

Alguém já prestou atenção no trabalho de alguém que vende uma rosa?... Experimente pedir uma, um único botão, e reparar em dedos ágeis embalando uma série de esperanças suas em celofane, junto com florzinhas campestres, raminhos de trigo e adesivos em forma de coração.

Certamente, se você reparar nesse trabalho, vai se sentir feliz em pagar os míseros reais que ele custa. E vai pensar no tanto de você que está contido naquela única e besta rosa, sufocada entre tantos aparatos decorativos. Ela passará a ser uma rosa única, retirada de uma geladeira para uma oportunidade única. E poderá ser uma rosa vívida ou uma rosa flácida.

Vinícius detonou uma rosa com cirrose em Hiroshima, que se tornou inesquecível. Certamente olhou também para os dedos longos e ágeis da florista, nas tantas rosas que detonou em corações alheios. Eu dei poucas rosas. E menos que as poucas, exíguas foram eficazes.

Talvez devesse ter dados mais rosas, na esperança de alguma, como bomba atômica, destruir os castelos onde alguma princesa se escondia. Mesmo correndo o risco de destruir a princesa ao mesmo tempo. Na verdade, muitos são os castelos, poucas são as princesas, e várias e diversas são as mãos das floristas, que enfeitam com trigo e celofane as rosas que elas mesmas não recebem.

O que é uma rosa?

Na verdade, geralmente desilusão.

terça-feira, 13 de maio de 2008

Doidinhos, bares, cafofos e cantores

Acho que existe algum tipo de lei universal. Algo simples como a gravitação newtoniana, mas que sempre tem um Einstein para tornar complicadíssima. Vou tentar formular essa lei de uma forma simples como Newton, evitando assim oito anos de formulação matemática para provar que eu talvez esteja certo. Afinal, não faço a menor idéia de quando e onde vai acontecer o próximo eclipse.

Vamos às proposições básicas: 1) existem músicos que moram em cafofos. 2) Todo cafofo fica próximo a um boteco. 3) Todo boteco tem um doidinho (ou bêbado) de plantão. 4) Músicos atraem doidinhos e bêbados na razão direta da música e inversa do quadrado da distância.

Resultado: na padaria aqui embaixo do Cafofo, obviamente tem um doidinho de plantão. Que obviamente já me viu cantar na pizzaria que fica ao lado da padaria. E que obviamente só estava esperando uma chance para "encarnar no meu cadáver" com algum papo mirabolante de doidinho.

Vamos à demonstração cabal da teoria. Imaginem só... Saio eu aqui para almoçar minha saladinha e meu grelhado, tranquilo, depois de ter criado logotipo e panfletinho pra Lan House do Chris. Volto uns 20 minutos depois e penso: "hora de tomar aquela cervejinha na padaria pra relaxar, antes de mergulhar na minha dissertação". Sento na mesa, dou uma apreciada no dia ensolarado, porém fresquinho, abro a latinha e - antes do primeiro gole ser completamente absorvido - o doidinho senta do meu lado!

E aí vem o papo de doidinho... Eu sou o ROBERTO CARLOS do Sítio do Gama. Eu tenho o CABELO do Roberto Carlos. Minha VOZ é igual a do Roberto Carlos. Sexta-feira passada eu CANTEI todas as músicas do Roberto Carlos (ele ouviu até "Lady Laura"!). Eu devia MANCAR que nem o Roberto Carlos, e dar aquela RISADINHA do Roberto Carlos. E, é claro, devia ir no FAUSTÃO imitar o Roberto Carlos.

Aliás, ele vai espalhar pra todo mundo que o ROBERTO CARLOS toca TODA sexta-feira na pizzaria do Ximenes, e aquilo ali vai bombar, e nós dois (eu e o Ximenes) vamos encher o cu de grana.

Deuses!... É claro que eu acabei a minha pobre latinha o mais rápido possível. Esqueci o dia ensolarado porém fresquinho e subi as escadas pra me refugiar no Cafofo, embora ainda ouvindo o doidinho comentar, lá dentro da padaria, sobre o "Roberto Carlos" que era eu.

Só não me venha um Einstein qualquer, depois disso, dizer que a gravidade dobra a luz. Imaginem a pouca luz que me resta sendo estupidamente dobrada pela gravidade da minha situação e, nessa próxima sexta-feira, eu estar novamente ali na pizzaria do Ximenes, cantando que "se eu chorei ou se sorri, o importante é que emoções eu vivi"?

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Adeus, Fada Azul!

Estou me despedindo hoje de uma amiga de curta data: minha companheira diária, a Fada Azul. Ela não andava me fazendo muito bem, mesmo... Como eu disse há uns posts atrás, mulheres novas nos tiram a fome e o sono, nos deixam ansiosos e meio tontos.

Mas tenho um novo companheiro. Quem sabe eu me entendo melhor com ele? Não tem a graça de uma fada nem o nome de uma sacerdotisa de Gardner. Pelo contrário: ele lembra um Pokemon. Redondinho, só faltava ter uma carinha feliz gravada. E aquele nome de Zé eletrônico...

Pior é que veio acompanhado de um presente (de grego?) da médica nova, ou da mais nova médica na minha lista: mais 30 dias de internação no Cafofo. Espero apenas que o meu novo amigo Zé me ajude a fazer disso algo produtivo...

sábado, 10 de maio de 2008

Let's rock?

Pois é... Hoje eu toquei. Não foi em nenhum lugar legal ou especial. Na verdade, foi aqui na pizzaria do Ximenes, que agora virou meu vizinho. Acho que esse tipo de coisa que eu faço é uma forma de sacrifício ou auto-punição, em consideração a pessoas que me consideram de graça. Deve ser por isso que eu toco de graça.

Mas eu toquei... E acho que toquei bem. Tô ouvindo ainda as vozes das pessoas que lotaram o bar, aqui pela janela. Ou melhor... daquelas que sobraram depois do bar lotado e depois que eu parei de tocar. Talvez mais solitárias do que eu e, por isso, lembrando das músicas que eu toquei (e das que eu deixei de tocar) e evitando ir para casa.

Fiz minha parte. Arranquei sorrisos e palmas de pessoas que, de início, me pareciam que apenas tinham sentado ali pra comer alguma coisa e ficar mudas. Tornei a noite delas diferente, porque colorida de coisas iguais. Afinal, ninguém quer mesmo ouvir algo novo, mas sempre as mesmas velharias que lhes remetem a tempos talvez mais felizes. Agora resta encarar o meu resto de noite igual. Tão igual quanto as músicas que eu toquei.

Mas toquei. E acho que até, em determinados momentos, consegui botar algum sentimento na voz.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Perdendo as referências

Desci há pouco pra comer alguma coisa e tomar aquela cervejinha que dá arrepios na Fada Azul, mas à qual eu não consigo resistir - pelo menos por enquanto - e eis que o celular toca. Minha prima, ligando do Rio. Quando eu vi o nome na telinha eu já sabia o que era, claro: era o anúncio do fim da minha tia-avó Irene, internada há três semanas.

É engraçado como a gente vai acumulando algumas referências ao longo da vida. Pontos de apoio, na verdade, onde lançamos âncoras que nos forçam à realidade de nós mesmos, quando nos sentimos meio perdidos. Uma dessas referências, para mim, embora eu muitas vezes me sinta e me fale um carioca tão chique, é um bairrozinho chulé do subúrbio, uma espécie de passagem entre o Méier e Cascadura: Quintino. Lá meu pai conheceu minha mãe. Lá moraram, quase desde Portugal, meus avós. É de uma casa rosa na Rua Nogueira, nº 42, que eu tenho as minhas lembranças mais antigas.

De uma forma estranha, minha Tia Irene era uma espécie de última ligação com essa casa. Era uma raiz. Meu tio, minha tia, minha prima e sei mais quem mora lá hoje em dia podem até ser uns mirrados troncos que brotaram dessas raízes, mas nada além disso. Não... vou ser sincero... excluo minha prima dessa qualificação desclassificada, até porque crescemos juntos até um certo período e ela também é uma das minhas lembranças mais antigas.

Mas Tia Irene era diferente. Ela e o Tio Germano, que a boêmia e o câncer levaram bem mais cedo. Os dois solteirões da família. Tio Germano radialista, profundo conhecedor da MPB, que eu não tive oportunidade de conhecer direito. Tia Irene, que levava minha mãe aos bailes e ao cinema, na sua função de tia solteirona dez anos mais velha. Tinha aquelas centenas de discos de vinil que ela guardava (herança do irmão Germano) e que ela deixava eu pescar um ou outro, de vez em quando.

Minha última lembrança de Tia Irene. Fevereiro deste ano. Vou eu pro Rio conhecer o meu neto e passo lá pela casa rosa da rua Nogueira 42. Bato na janela da cozinha, como eu fazia há vinte, trinta anos atrás. Em frente ao portão de madeira, ouço a voz de Tia Irene lá de dentro: "é o Jan!"... Era eu. E os olhos que já não me viam, os ouvidos que já não me ouviam, os braços esquálidos, pele sobre osso, me viram, me ouviram e me abraçaram. Se disseram felizes por eu estar ali. Ela estava feliz, de alguma forma.

Vou guardar essa última (?) lembrança que me liga diretamente ao Portugal que eu não conheço ainda. A alegria de minha tia-avó ao me ver. Ou ao não me ver, mas ao sentir minha presença. De forma estranha, parafraseando Vinícius, eu que não creio espero que ela esteja agora entre o resto de Portugal, aqueles que foram antes dela. Ouvindo velhos discos de vinil, talvez entre aqueles que os gravaram. Num belo baile, onde toca Bill Halley & The Comets e ela, ao invés de apenas tomar conta de minha mãe, dance por uma noite eterna com um garboso Fred Astaire.

terça-feira, 6 de maio de 2008

Essa merda nunca vai acabar

Nossa!... Que bonito!... Escrevi um monte e consegui um jeito de apagar tudo...

Bem... sem a menor chance de reconstituir agora o que eu tinha escrito. Fica o título aí pra ver se eu vou me lembrando aos poucos, depois. Sei que tinha algo a ver com dores que a gente não deixa que tenham um ponto final.

De repente eu acordo de madrugada e volto ao tema.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

E, finalmente... o Cafofo!

Primeira noite no Cafofo, e agora tudo que é "meu" já está aqui dentro: meus discos. meus livros, minhas roupas, meus instrumentos. Meu sono e minha paz de espírito ainda não vieram mas, levando em consideração que estes também não estavam lá na outra casa, creio que eles devem ter ido fazer alguma longa viagem e qualquer dia retornam.

A Fada Azul me disse que ia buscar a paz de espírito mas acho que ela tem falhado na sua intenção e, pra disfarçar, acaba trazendo outras compensações, tipo dedinhos azuis fazendo massagem nas minhas costas pra me deixar tranquilo. Ontem mesmo, na hora de sair de vez da ex-casa, tive que mandar ela à merda e recorrer à minha amante mais antiga, a loura gelada.

Já pra ir buscar o sono, tenho evitado recorrer a um personagem mais sórdido - o duende da tarja preta. Mas essa noite, por exemplo, não teve jeito. A não ser que eu quisesse ver amanhecer o dia assistindo "Festival de Desenhos" na Globo. Coisa, aliás, inexplicável... Será que tem muita criança insone que assiste desenho às 5 da manhã?

É foda... Agora, por exemplo, estou morrendo de sono, mas tenho que ficar esperando o bendito vidraceiro que vai colocar o meu box e o meu espelho. Tem determinados prestadores de serviço que parecem ter um prazer mórbido em marcar os horários que você menos deseja que eles marquem. E quando você desiste de esperar e resolve tirar aquela soneca ou dar aquela cagada, eles tocam a campainha...

E com isso você perde tanto a oportunidade de tirar a soneca ou dar a cagada, quanto de estar fazendo alguma coisa de útil, tipo escrevendo a sua dissertação de mestrado, e fica escrevendo no blog.

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Feliz aniversário!

Pois é... estava esquecendo disso. Estou comemorando o meu aniversário: 19 anos que eu cheguei em Brasília, já trabalhando no feriado. Parabéns pra mim!

O que foi que eu ganhei com o tempo que eu trabalhava no feriado e com os sonhos todos que eu alimentei quando eu cheguei em Brasília? A mesma coisa que ganha quem ama acima de tudo a si mesmo: o Cafofo.

Ainda é dia de trabalho????

Putz!... Nem dez horas da noite de 1º de maio de 2008. Tem quantos anos mesmo que eu estava naquele show lá? Aquele da bomba-neném? Caralho... mais de trinta...

Mais de trinta anos se foram entre um Jan faceiro, que mal começava a compor as suas primeiras músicas e não entendia muito bem que bomba tinha estourado em que lugar... e esse Jan de agora, que já compôs todas as músicas e que entende muito bem onde a própria bomba estourou.

2º dia do Cafofo e eu continuo não morando lá, ainda. Pensei até em dormir lá, mas aquele frio voraz e inexistente, que gelava os meus ossos em 2004, voltou a atacar. Voltei pra bagunça que era o meu lar, mas pude dar uma examinada no que será o próximo "lar", primeiro. Confesso que até a Fada Azul bateu suas asinhas e fugiu.

Em primeiro lugar, vamos a uma pergunta retórica: qual é o sentido da expressão "na mesa em frente"? Quando você está sozinho, todas as mesas são "em frente". Ok.

Mas na primeira mesa em frente, da esquerda pra direita, havia uma reminiscência de sei-lá-quantas cidades do interior. Um casal de jecas e seus três filhos, devorando avidamente dúzias de pastéis daqueles que eu gosto e que custam 1 real. Acho que o que mais me marcou não foi a gulodice de feriado, com direito a gordura escorrendo do canto da boca, mas a barriga da menina. Saca aquele cabelo escorrido de "sou a cara da mamãe" e as banhas proeminentes na barriga? Aquela coisa de "nunca vou ser bonita que nem a mulher da novela"? Aquele ar de "tenho 14 anos mas nunca vou conseguir nada melhor pra mim do que um paraiba de camisa amarela e calça azul que me paga um pastel gordurento"?

Olha... falando sério... nada contra pastéis gordurentos, paraibas ou camisas amarelas com calças azuis. Mas tudo contra a falta de opção.

Embora opções não sejam o meu exato momento.

Aí chega o outro casal. Na mesa em frente, é claro, já que toda mesa é em frente quando a gente quer desviar o olhar. Ela: uns 40 e tantos anos sofridos. Ele: uns 20 anos, se tanto. Ambos: bêbados. Ambos: feios. É a companhia que eu posso esperar nas longas noites do Cafofo. Quem sabe eu consiga entabular uma longa conversa de Mestre em História e tornar essas pessoas menos bêbadas e mais feias?

Fechei a minha porta, pedi uma lata e saí. Voltei pro pré-cafofo, já que o frio imenso continua a incomodar. Mas a bagunça está grande. Preciso mesmo resolver isso amanhã e assumir o Cafofo, enquanto o que foi a minha vida se assume por si só.

A Fada Azul

A Fada Azul entrou na minha vida há apenas dois dias mas, pelo visto, vai ser minha companheira no Cafofo. Ela tem um nome esquisito, que está mais pra anão de Tolkien ou sacerdotisa de Gardner, por isso eu arrumei esse apelido pra ela, embora ela não seja azul, mas branca e azul.

Ela é pequenininha. Menor do que ela só as letrinhas da caixa onde ela mora. Mas pelo menos não é irritante que nem aquela Sininho do Peter Pan, sempre fazendo plim-plim e espalhando purpurina por onde passava. Digamos que a Fada Azul é fácil de engolir...

O problema com ela é que, como toda mulher nova na nossa vida, ela mexe com a minha cabeça. Tira um pouco do meu equilíbrio, me faz perder o sono, coisas assim. Faz exigências incompatíveis com a minha personalidade, tipo parar de beber minha cervejinha e meu whisky e, quando eu faço isso, ela briga comigo. Mas pelo menos ela levanta o meu astral. Estranhamente não me deixa pensar em problemas, dificuldades, nada disso.

Fico aqui pensando se eu quero fechar a porta do Cafofo e deixar a Fada Azul do lado de fora, ou se eu só vou conseguir fechar a porta do Cafofo se ela estiver lá dentro comigo...

Dia de trabalho

Primeiro dia do Cafofo... E eu não sei porra nenhuma de italiano, não! Isso aí em cima é só um fragmento de uma música que a Laura Pausini gravou, o Renato Russo gravou, e eu me meti a fazer uma versão e gravar. Quase deu certo.

Primeiro dia do Cafofo... e eu nem tô lá ainda. Só comprei lixeira, porta-shampoo, armário de banheiro, essas viadagens. E sofá-cama, também, que não é viadagem e o corpo e o Cafofo merecem. Bem como arrumei marceneiro pra montar meus móveis, vidraceiro pra fazer box pro banheiro - puxar os restos do banho com o rodo ninguém merece. Acho que arrumei até um garoto com uma kombi pra levar minhas coisas pra lá... mas vou pensar nesse assunto ainda.

Primeiro dia do Cafofo... Na pizzaria logo abaixo e na mesa ao lado estavam a ex-bonita, a chatinha e a lindinha. Um trio de mulheres-superpoderosas acompanhadas de A, B e C. O trio era esposa e filhos de A. A, B e C eram um trio de milicos que, como de costume, falavam apenas de suas miliquices e não estavam nem aí, na hora da sagrada cerveja, pro desespero da ex-bonita, pra chatice da chatinha, ou se a lindinha ia enfiar a batata frita no olho ou dar pro cachorro vadio lamber, antes de comer.

Primeiro dia do Cafofo... De repente, o ronco gutural de uma moto grande que vai parando. Lindinha, do alto do seu menos de um metro e de suas fraldas, corre pra rua. Eu me levanto correndo mas sou ultrapassado pela ex-bonita em um acesso de zelo materno. A, é claro, nem viu nada pois discutia os destinos da pátria-amada-idolatrada com B e C. Manero o meu passo e cumprimento a amiga motociclista que me chama para um lugar que eu não vou. Comento que vi o marido dela na TV mais cedo. Fim de papo.

Primeiro dia do Cafofo... Subitamente elevado ao posto de cabeludo-tatuado-amigo-da-motociclista-que-corre-pra-lindinha-não-ser-atropelada, resolvo voltar pra casa. A casa ainda não é o Cafofo, mas vai ser.