sábado, 31 de maio de 2008

O bom músico de bar

Existem umas lendas sobre músicos, especialmente aqueles que tocam num bar...

Tá certo que músico que nunca tocou no bar nem ao menos músico é, mas não vou entrar nesse mérito. Afinal, não merece o meu respeito quem nunca cantou "Canteiros" ou "Espanhola" e não era, pelo menos, Cazuza.

Mas voltemos ao tema inicial... Uma das lendas é que o músico do bar sempre leva no fim a mulher mais bonita (que estava no bar, é claro, o que pode ser um parâmetro bem duvidoso). Puta mentira!... O músico do bar só leva pra casa uma solidão imensa. A saudade das músicas que ele tocou e foram aplaudidas. O "durante" do bar pode ser ótimo. O "depois" é só enrolar fios, guardar caixas de som e pensar no que não houve.

Eu sou um músico de bar... Todas as mulheres (dos outros) me olham admiradas enquanto estou cantando, especialmente se eu canto alguma música que pra elas foi marcante. Todas me deixam até um pouco sem graça, por saber que, por um breve instante, eu sou mais importante do que o panaca ao lado.

Mas, é claro, como bom músico de bar, eu durmo sozinho. O som da noite se transforma só em silêncio. As portas se fecham, as cortinas se fecham, cada um vai pro seu lado. E mesmo o melhor músico de bar - a não ser que seja menos músico e mais garanhão, como muitos que eu conheci - vai dormir só com as lembranças daquelas músicas que valeram a noite. E com as lembranças das muitas que não foram tocadas, até porque não haveria ninguém que ouvisse.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Clastres e os claustros em que nos escondemos...

Lendo aqui um texto de um antropólogo maravilhoso, e maravilhosamente morto prematuramente (já que quase ninguém que dura demais faz nada, além de viver demais), fiquei surpreendido ao ver como a simplicidade pode ser complexa e marcante.

Como ninguém lê isso aqui, posso me permitir ser bastante longo numa citação. Portanto, eis o trecho:

"A pedagogia dos Guayaki se estabelece principalmente nessa grande divisão de papéis. Logo aos quatro ou cinco anos, o menino recebe do pai um arco adaptado ao seu tamanho; a partir de então ele começará a se exercitar na arte de lançar com perfeição uma flecha. alguns anos mais tarde, oferecem-lhe um arco muito maior, flechas já eficazes, e os pássaros que ele traz para a sua mãe são a prova de que ele é um rapaz sérioe a promessa de que será um bom caçador. Passam-se ainda alguns anos e vem a época da iniciação; o lábio inferior do jovem de cerca de quinze anos é perfurado; ele tem o direito de usar o ornamento labial, o beta, e é então considerado um verdadeiro caçador, um kybuchuété. Isso significa que um pouco mais tarde ele poderá ter uma mulher e deverá consequentemente prover as necessidades do seu novo lar. Por isso, o seu primeiro cuidado, logo que se integra na comunidade dos homens é fabricar para si um arco; de agora em diante membro 'produtor' do bando, ele caçará com uma arma feita por suas próprias mãos e apenas a morte ou a velhice o separarão do seu arco. Complementar e paralelo é o destino da mulher. Menina de nove ou dez anos, recebe de sua mãe uma miniatura de cesto, cuja confecção ela acompanha atentamente. Ela nada transporta, certamente; mas o gesto gratuito de sua marcha - cabeça baixa e pescoço estendido nessa antecipação do seu esforço futuro - a prepara para o seu futuro próximo. Pois o aparecimento, por volta dos doze ou treze anos, da primeira menstruação e o ritual que sanciona a chegada da sua feminilidade fazem da jovem virgem uma daré, uma mulher que logo será esposa de um caçador. Primeira tarefa do seu novo estado e marca da sua condição definitiva, ela fabrica o seu próprio cesto. E cada um dos dois, o jovem e a jovem, ascendem dessa forma à idade adulta.
Enfim, quando morre um caçador, seu arco e suas flechas são ritualmente queimados, como também o é o último cesto de uma mulher: pois, como símbolos das pessoas, não poderiam sobreviver a elas."

Enfim, esse é o trecho de Pierre Clastres. Claro que os negritos são meus. E claro que ninguém vai entender porque esse trecho me trouxe lágrimas aos olhos.

Experimentem ensinar a fazer o próprio arco ou o próprio cesto. E descobrir que falharam. Que ainda querem (ou precisam) usar o seu arco ou o seu cesto. Na sociedade dos Guayaki, após isso, suas flechas, seu arco ou o seu último cesto não seriam queimados. Seus filhos não seriam homens nem mulheres. Não haveria símbolos que lembrassem você ou seus descendentes. Você seria simplemente esquecido.

Paganismo, né?... Tem um monte de "pagãos" por aí... Eles querem ser esquecidos porque falharam? Claro que não! Eles querem ser reconhecidos justamente por suas falhas, esquecendo que, no verdadeiro mundo pagão, não há espaço para falhas. Mas, no paganismo "de mentirinha", ninguém precisa construir o seu próprio arco ou o seu próprio cesto: basta comprar na lojinha da esquina e declamar aos quatro cantos que homens podem comprar cestos e mulheres comprar arcos. E, é claro, acender alguns incensos e algumas velas pela diversidade pós-moderna que eles afirmam veeementemente como paganismo.

Bem... Eu acho que nem falhei (posso estar redondamente enganado) e já fui esquecido. Sou pagão demais, talvez. Me fecho no claustro e leio Clastres, enquanto filhos e filhas, ensinados a fazer arcos e cestos, acham que ainda têm que usar os meus.

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Lá no terraço

Hoje, pela primeira vez, eu subi lá no terraço de noite. Achei engraçado o contraste do imaginário com o real. Afinal, uma das coisas que eu gostei aqui do Cafofo foi a existência desse terraço, de onde eu podia enxergar vastos horizontes e, quem sabe, tocar meu violão.

Não tive vontade nenhuma de tocar nenhum violão e, embora os "vastos horizontes" estivessem ali, não foi eles que eu enxerguei. O que eu vi foi um aglomerado de casas - grandes, bonitas - onde a presença dos carros nas garagens e as luzes acesas predispunham a acreditar num fim de dia meio suburbano e meio familiar.

Olhei as casas e parei. Tive que descer as escadas e voltar pro Cafofo. Aquela suburbanice de casas bonitas, luzes acesas e famílias em convívio foi um pouco demais pra mim.

Tudo sempre o mesmo...

Bem... como não era de se estranhar, "eu por eu mesmo" não passou de um fugaz momento de descontração. Não somos nós por nós mesmos. Somos resultado do retrato que fazem de nós, quer queiramos, quer não. Alguns retratos são sutis, outros nem tanto. Mas todos eles fazem parte da construção da nossa própria imagem.

Imagino que haja alguns caras que liguem pra sua mulheramada e digam "estou indo lhe buscar agora". E que cheguem ao destino e encontrem a mulheramada com um certo sorriso de impaciência, visto que elas esperaram cinco minutos por um agora premente.

Imagino que haja alguns caras cujo telefone toque, seja a ex-mulher do outro lado da linha, e ela queira apenas dar os parabéns por algo que você fez, ou uma boa notícia. Talvez pela força que você deu no trabalho escolar de algum filho, ou algo parecido...

Acho que, de repente, eu gostaria de ser um desses caras. Alguém que fosse sedutor o bastante para despertar o anseio da mulheramada, ou eficiente o bastante para despertar o respeito dos seus (como diria minha ex-mulheramada Elisete, ou o meu quaseparceiro Mongol) ex-amores.

Mas não sou, na verdade, nada disso. Sou só o cara que espera dentro do carro enquanto a rosa murcha. Gasto minhas tardes fazendo algo que meu filho precisa em troca de frases tão construtivas quanto...

"Vai tomar no meio do olho do seu cu, seu viado louco!"

E aí volto pro cafofo, pra solidão e pro desconforto sem fim. Destino de um viado louco que, amanhã, não pode esquecer do horário, das contas pra pagar, do que é infinitamente supérfluo, mas é infinitamente indispensável.

Resumindo... Moral da história: todo viado louco tem mais é que tomar no cu. Quem mandou achar que é pai, marido, acadêmico? Vontade de complicar as coisas, não é mesmo? Vou tentar simplificar e buscar a companhia infalível da lata de Skol ou da taça de conhaque, que podem até me fuder, mas nunca me deixam sozinho ou me mandam tomar no cu.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Eu por eu mesmo

Foi necessário terminar o bendito texto do dia das mães (o post anterior) antes de escrever o que eu realmente queria escrever. Ele estava engasgado na minha garganta (ou nos meus rascunhos) e travando a fluência natural das coisas aqui do cafofo.

Afinal, nem tudo que surge aqui do cafofo tem que ser, necessariamente, deprimido ou deprimente. Pelo contrário: a minha convivência diuturna com o cafofo tem me feito descobrir coisas que eu ao menos imaginava... Ôps!... Não é bem assim: tem me feito descobrir coisas que eu imaginava, mas que eu não levava muito a sério.

Por exemplo... Eu sou um ótimo pai. Não tenho dúvida alguma disso. Nunca falhei com os meus filhos em momento algum, e estou sempre pronto e próximo quando eles precisam de mim. Posso até fazer uma ligeira exceção em relação ao Bruno, mas isso foi mais circunstância do que vontade, de ambas as partes. Afinal, quando ele finalmente me procurou, eu estava bem aqui. Aliás, essa coisa de "pai" é, seja lá fruto do que seja, uma coisa marcante em mim. Sou pai de filhos meus e não meus, e me sinto extremamente orgulhoso do que sou e represento para eles.

Sou também, de uma forma ou de outra, excelente marido. Não sou perfeito, é claro... Estou sujeito a variações de humor e a pressões que todo homem ocidental está sujeito. Mas estive e estou sempre pronto a apoiar as minhas companheiras, sejam elas as presentes ou as passadas. Fui "marido" diversas vezes e não creio que nenhuma das minhas "ex" possa reclamar diretamente da minha figura de marido (embora possam, eventualmente, reclamar da minha figura de "homem").

Por fim, sou um excelente acadêmico e fui (e pretendo voltar a ser) um excelente professor. Dediquei quase toda a minha vida e todo o meu tempo livre ao estudo, e obtive minhas recompensas por isso. Reencontro alunos que lembram de mim com respeito e admiração regularmente. Recebo de meus pares e superiores no mundo acadêmico repetidos e constantes elogios.

Bem... "eu por eu mesmo" é só um momento de descontração, ok?... Uma manhã junto com minha pilha de livros, minha lapiseira e meu bloco de rascunho. E a sensação de ter conseguido sintetizar, ainda que só na minha mente, o final da minha tese de mestrado. Talvez agora à tarde eu consiga tirar uma soneca devido a essa sensação de "missão cumprida", e consiga sair daqui e dar aos meus filhos, amigos, companheiras, aquilo que eles precisam mais imediatamente de mim.

E consiga manter a sensação de que isso vai ser, de alguma forma, reconhecido.

domingo, 25 de maio de 2008

Mães, discos e memórias

Hoje eu estava pensando.... (nossa, que coisa incrível!)... Quando eu era pequenininho, eu remexia nos discos da minha mãe, e e achei umas coisas que me fizeram cantar pelo resto da vida. Eram umas coisas de Beatles e Bee Gees que eram só dela.


Acho que nunca ouvi minha mãe ouvindo um disco por iniciativa própria. Ela ouvia música por iniciativa do meu pai ou minha. Não sei o que ela fazia entre o almoço e o tempo que ela botava meu irmãozinho pra dormir. Sei que a gente via uns filmes velhos de Drácula nas madrugadas em que o meu pai não estava. E que provavelmente ela me ouvia ouvir os discos dela. E que eu não estava quando o coraçãozinho dela - que já não ouvia Beatles ou Bee Gees a não ser por meu intermédio, parou de bater.

Mamãe tinha uns 26 anos quando eu nasci. Quadris largos e peitos fartos. Em plena contracultura, foi contracultural o suficiente para ter se casado muito tarde (pelos padrões vigentes), e conservadora o suficiente para fazer o "casamento ideal" da normalista com o cadete. Devo ter orientado minha vida inteira pelo que eu visualizava mentalmente como um ideal de mulher: quadris largos, peitos fartos, contracultural o suficiente para ter discos "da moda" e conservadora o suficiente para abandonar seus próprios sonhos pelo ideal da família perfeita.

É difícil admitir, mas mamãe estava errada. Sufocar-se a ponto de seu coração não aguentar, enquanto seus discos empoeiravam-se e ficavam como uma espécie de herança para mim. Trocar seus belos vestidos e seus bailes por homenagens póstumas... Minha mãe viveu errado, e com isso deixou marcado em mim aquilo que ela não viveu e sua eterna imagem, que eu venho perseguindo há tantos anos.

Não tenho mais todos os discos nem todas as memórias. Mas quando escrevo coisas como o "Colo", me fica claro o quanto a falta de uma mãe imaginada (ou idealizada a partir de colos em filmes de terror na minha pré-adolescência), acaba influindo nos meus sentimentos atuais. Ou sempre influenciaram em todos os meus sentimentos pós-1978.

Sabe, mãe?... Comecei a escrever este post no Dia das Mães e só consegui terminar hoje. Foi o tempo necessário, talvez, pra entender que eu sou grato pelos seus discos, que me iniciaram na música, e pelo seu colo, que me iniciou no valor que eu dou à família. Mas que eu também sou grato pela sua omissão ao longo de vários anos e pela sua desistência final aos 42 anos. Isso me ensinou a não me omitir e nem desistir, por mais doloroso que manter minhas posições e seguir em frente tenha sido.

terça-feira, 20 de maio de 2008

Colo

Tem dias que tudo que a gente precisa na vida é um pouco de colo... É justamente nessas horas que eu fico bolado (como diria meu amigo Decca) com as mulheres. Elas têm uma percepção incrível quando se trata de crianças precisando de colo e são completamente insensíveis quando nós, supostos "machos dominantes", temos a mesma necessidade. No entanto, exigem sempre que estejamos prontos a perceber que elas precisam de colo.

Mulheres são coisas complicadas. Vivem dizendo que homens são meninos, mas não conseguem reconhecer suas próprias fantasias de princesas de contos de fadas. Riem dos "príncipes bobos" e, bobamente, os deixam escapar dentre os dedos, sem nunca reconhecer o quanto eles eram importantes, ou mesmo necessários. Aliás, se os conseguem reconhecer necessários, geralmente apenas os usam e depois retornam aos contos de fadas, enquanto eles, coitados, ficam (como meninos) esperando um colo.

Está certo que, mesmo na plena necessidade do colo, não devemos nos arrogar a prerrogativa de sermos "perfeitos", ou algo que o valha. Isso certamente nunca existiu nem nunca existirá. Existe apenas a ausência do colo, preenchida talvez por algumas latas de cerveja ou algum DVD vazio, mas pleno de ausência. Seja como for, por falta de inspiração própria, recorro nesse momento de falta de colo ao Oswaldo, que quis em algum momento ser mais "durão" que eu e conseguiu apenas ser mais poeta:

"Deixa em cima desta mesa a foto que eu gostava
Pr'eu pensar que o teu sorriso envelheceu comigo
Deixa eu ter a tua mão mais uma vez na minha
Pra que eu fotografe assim meu verdadeiro abrigo

Deixa a luz do quarto acesa, a porta entreaberta
O lençol amarrotado mesmo que vazio
Deixa a toalha na mesa e a comida pronta
Só na minha voz não mexa eu mesmo silencio

Deixa o coração falar o que eu calei um dia
Deixa a casa sem barulho, achando que ainda é cedo
Deixa o nosso amor morrer sem graça e sem poesia
Deixa tudo como está e se puder, sem medo

Deixa tudo que lembrar, eu finjo que esqueço
Deixa e quando não voltar eu finjo que não importa
Deixa eu ver se me recordo uma frase de efeito
Pra dizer te vendo ir, fechando atrás a porta

Deixa o que não for urgente que eu ainda preciso
Deixa o meu olhar doente pousado na mesa
Deixa ali teu endereço qualquer coisa aviso
Deixa o que fingiu levar mas deixou de surpresa

Deixa eu chorar como nunca fui capaz contigo
Deixa eu enfrentar a insônia como gente grande
Deixa ao menos uma vez eu fingir que consigo
Se o adeus demora, a dor no coração se expande

Deixa o disco na vitrola pr'eu pensar que é festa
Deixa a gaveta trancada pr'eu não ver tua ausência
Deixa a minha insanidade, é tudo que me resta
Deixa eu por à prova toda minha resistência

Deixa eu confessar meu medo do claro e do escuro
Deixa eu contar que era farsa minha voz tranqüila
Deixa pendurada a calça de brim desbotado
Que como esse nosso amor ao menor vento oscila

Deixa eu sonhar que você não tem nenhuma pressa
Deixa um último recado na casa vizinha
Deixa de sofisma e vamos ao que interessa
Deixa, a dor que eu lhe causei agora é toda minha

Deixa tudo que eu não disse mas você sabia
Deixa o que você calou e eu tanto precisava
Deixa o que era inexistente e eu pensei que havia
Deixa tudo o que eu pedia mas pensei que dava..."

quinta-feira, 15 de maio de 2008

O que é uma rosa?

Alguém já prestou atenção no trabalho de alguém que vende uma rosa?... Experimente pedir uma, um único botão, e reparar em dedos ágeis embalando uma série de esperanças suas em celofane, junto com florzinhas campestres, raminhos de trigo e adesivos em forma de coração.

Certamente, se você reparar nesse trabalho, vai se sentir feliz em pagar os míseros reais que ele custa. E vai pensar no tanto de você que está contido naquela única e besta rosa, sufocada entre tantos aparatos decorativos. Ela passará a ser uma rosa única, retirada de uma geladeira para uma oportunidade única. E poderá ser uma rosa vívida ou uma rosa flácida.

Vinícius detonou uma rosa com cirrose em Hiroshima, que se tornou inesquecível. Certamente olhou também para os dedos longos e ágeis da florista, nas tantas rosas que detonou em corações alheios. Eu dei poucas rosas. E menos que as poucas, exíguas foram eficazes.

Talvez devesse ter dados mais rosas, na esperança de alguma, como bomba atômica, destruir os castelos onde alguma princesa se escondia. Mesmo correndo o risco de destruir a princesa ao mesmo tempo. Na verdade, muitos são os castelos, poucas são as princesas, e várias e diversas são as mãos das floristas, que enfeitam com trigo e celofane as rosas que elas mesmas não recebem.

O que é uma rosa?

Na verdade, geralmente desilusão.

terça-feira, 13 de maio de 2008

Doidinhos, bares, cafofos e cantores

Acho que existe algum tipo de lei universal. Algo simples como a gravitação newtoniana, mas que sempre tem um Einstein para tornar complicadíssima. Vou tentar formular essa lei de uma forma simples como Newton, evitando assim oito anos de formulação matemática para provar que eu talvez esteja certo. Afinal, não faço a menor idéia de quando e onde vai acontecer o próximo eclipse.

Vamos às proposições básicas: 1) existem músicos que moram em cafofos. 2) Todo cafofo fica próximo a um boteco. 3) Todo boteco tem um doidinho (ou bêbado) de plantão. 4) Músicos atraem doidinhos e bêbados na razão direta da música e inversa do quadrado da distância.

Resultado: na padaria aqui embaixo do Cafofo, obviamente tem um doidinho de plantão. Que obviamente já me viu cantar na pizzaria que fica ao lado da padaria. E que obviamente só estava esperando uma chance para "encarnar no meu cadáver" com algum papo mirabolante de doidinho.

Vamos à demonstração cabal da teoria. Imaginem só... Saio eu aqui para almoçar minha saladinha e meu grelhado, tranquilo, depois de ter criado logotipo e panfletinho pra Lan House do Chris. Volto uns 20 minutos depois e penso: "hora de tomar aquela cervejinha na padaria pra relaxar, antes de mergulhar na minha dissertação". Sento na mesa, dou uma apreciada no dia ensolarado, porém fresquinho, abro a latinha e - antes do primeiro gole ser completamente absorvido - o doidinho senta do meu lado!

E aí vem o papo de doidinho... Eu sou o ROBERTO CARLOS do Sítio do Gama. Eu tenho o CABELO do Roberto Carlos. Minha VOZ é igual a do Roberto Carlos. Sexta-feira passada eu CANTEI todas as músicas do Roberto Carlos (ele ouviu até "Lady Laura"!). Eu devia MANCAR que nem o Roberto Carlos, e dar aquela RISADINHA do Roberto Carlos. E, é claro, devia ir no FAUSTÃO imitar o Roberto Carlos.

Aliás, ele vai espalhar pra todo mundo que o ROBERTO CARLOS toca TODA sexta-feira na pizzaria do Ximenes, e aquilo ali vai bombar, e nós dois (eu e o Ximenes) vamos encher o cu de grana.

Deuses!... É claro que eu acabei a minha pobre latinha o mais rápido possível. Esqueci o dia ensolarado porém fresquinho e subi as escadas pra me refugiar no Cafofo, embora ainda ouvindo o doidinho comentar, lá dentro da padaria, sobre o "Roberto Carlos" que era eu.

Só não me venha um Einstein qualquer, depois disso, dizer que a gravidade dobra a luz. Imaginem a pouca luz que me resta sendo estupidamente dobrada pela gravidade da minha situação e, nessa próxima sexta-feira, eu estar novamente ali na pizzaria do Ximenes, cantando que "se eu chorei ou se sorri, o importante é que emoções eu vivi"?

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Adeus, Fada Azul!

Estou me despedindo hoje de uma amiga de curta data: minha companheira diária, a Fada Azul. Ela não andava me fazendo muito bem, mesmo... Como eu disse há uns posts atrás, mulheres novas nos tiram a fome e o sono, nos deixam ansiosos e meio tontos.

Mas tenho um novo companheiro. Quem sabe eu me entendo melhor com ele? Não tem a graça de uma fada nem o nome de uma sacerdotisa de Gardner. Pelo contrário: ele lembra um Pokemon. Redondinho, só faltava ter uma carinha feliz gravada. E aquele nome de Zé eletrônico...

Pior é que veio acompanhado de um presente (de grego?) da médica nova, ou da mais nova médica na minha lista: mais 30 dias de internação no Cafofo. Espero apenas que o meu novo amigo Zé me ajude a fazer disso algo produtivo...

sábado, 10 de maio de 2008

Let's rock?

Pois é... Hoje eu toquei. Não foi em nenhum lugar legal ou especial. Na verdade, foi aqui na pizzaria do Ximenes, que agora virou meu vizinho. Acho que esse tipo de coisa que eu faço é uma forma de sacrifício ou auto-punição, em consideração a pessoas que me consideram de graça. Deve ser por isso que eu toco de graça.

Mas eu toquei... E acho que toquei bem. Tô ouvindo ainda as vozes das pessoas que lotaram o bar, aqui pela janela. Ou melhor... daquelas que sobraram depois do bar lotado e depois que eu parei de tocar. Talvez mais solitárias do que eu e, por isso, lembrando das músicas que eu toquei (e das que eu deixei de tocar) e evitando ir para casa.

Fiz minha parte. Arranquei sorrisos e palmas de pessoas que, de início, me pareciam que apenas tinham sentado ali pra comer alguma coisa e ficar mudas. Tornei a noite delas diferente, porque colorida de coisas iguais. Afinal, ninguém quer mesmo ouvir algo novo, mas sempre as mesmas velharias que lhes remetem a tempos talvez mais felizes. Agora resta encarar o meu resto de noite igual. Tão igual quanto as músicas que eu toquei.

Mas toquei. E acho que até, em determinados momentos, consegui botar algum sentimento na voz.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Perdendo as referências

Desci há pouco pra comer alguma coisa e tomar aquela cervejinha que dá arrepios na Fada Azul, mas à qual eu não consigo resistir - pelo menos por enquanto - e eis que o celular toca. Minha prima, ligando do Rio. Quando eu vi o nome na telinha eu já sabia o que era, claro: era o anúncio do fim da minha tia-avó Irene, internada há três semanas.

É engraçado como a gente vai acumulando algumas referências ao longo da vida. Pontos de apoio, na verdade, onde lançamos âncoras que nos forçam à realidade de nós mesmos, quando nos sentimos meio perdidos. Uma dessas referências, para mim, embora eu muitas vezes me sinta e me fale um carioca tão chique, é um bairrozinho chulé do subúrbio, uma espécie de passagem entre o Méier e Cascadura: Quintino. Lá meu pai conheceu minha mãe. Lá moraram, quase desde Portugal, meus avós. É de uma casa rosa na Rua Nogueira, nº 42, que eu tenho as minhas lembranças mais antigas.

De uma forma estranha, minha Tia Irene era uma espécie de última ligação com essa casa. Era uma raiz. Meu tio, minha tia, minha prima e sei mais quem mora lá hoje em dia podem até ser uns mirrados troncos que brotaram dessas raízes, mas nada além disso. Não... vou ser sincero... excluo minha prima dessa qualificação desclassificada, até porque crescemos juntos até um certo período e ela também é uma das minhas lembranças mais antigas.

Mas Tia Irene era diferente. Ela e o Tio Germano, que a boêmia e o câncer levaram bem mais cedo. Os dois solteirões da família. Tio Germano radialista, profundo conhecedor da MPB, que eu não tive oportunidade de conhecer direito. Tia Irene, que levava minha mãe aos bailes e ao cinema, na sua função de tia solteirona dez anos mais velha. Tinha aquelas centenas de discos de vinil que ela guardava (herança do irmão Germano) e que ela deixava eu pescar um ou outro, de vez em quando.

Minha última lembrança de Tia Irene. Fevereiro deste ano. Vou eu pro Rio conhecer o meu neto e passo lá pela casa rosa da rua Nogueira 42. Bato na janela da cozinha, como eu fazia há vinte, trinta anos atrás. Em frente ao portão de madeira, ouço a voz de Tia Irene lá de dentro: "é o Jan!"... Era eu. E os olhos que já não me viam, os ouvidos que já não me ouviam, os braços esquálidos, pele sobre osso, me viram, me ouviram e me abraçaram. Se disseram felizes por eu estar ali. Ela estava feliz, de alguma forma.

Vou guardar essa última (?) lembrança que me liga diretamente ao Portugal que eu não conheço ainda. A alegria de minha tia-avó ao me ver. Ou ao não me ver, mas ao sentir minha presença. De forma estranha, parafraseando Vinícius, eu que não creio espero que ela esteja agora entre o resto de Portugal, aqueles que foram antes dela. Ouvindo velhos discos de vinil, talvez entre aqueles que os gravaram. Num belo baile, onde toca Bill Halley & The Comets e ela, ao invés de apenas tomar conta de minha mãe, dance por uma noite eterna com um garboso Fred Astaire.

terça-feira, 6 de maio de 2008

Essa merda nunca vai acabar

Nossa!... Que bonito!... Escrevi um monte e consegui um jeito de apagar tudo...

Bem... sem a menor chance de reconstituir agora o que eu tinha escrito. Fica o título aí pra ver se eu vou me lembrando aos poucos, depois. Sei que tinha algo a ver com dores que a gente não deixa que tenham um ponto final.

De repente eu acordo de madrugada e volto ao tema.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

E, finalmente... o Cafofo!

Primeira noite no Cafofo, e agora tudo que é "meu" já está aqui dentro: meus discos. meus livros, minhas roupas, meus instrumentos. Meu sono e minha paz de espírito ainda não vieram mas, levando em consideração que estes também não estavam lá na outra casa, creio que eles devem ter ido fazer alguma longa viagem e qualquer dia retornam.

A Fada Azul me disse que ia buscar a paz de espírito mas acho que ela tem falhado na sua intenção e, pra disfarçar, acaba trazendo outras compensações, tipo dedinhos azuis fazendo massagem nas minhas costas pra me deixar tranquilo. Ontem mesmo, na hora de sair de vez da ex-casa, tive que mandar ela à merda e recorrer à minha amante mais antiga, a loura gelada.

Já pra ir buscar o sono, tenho evitado recorrer a um personagem mais sórdido - o duende da tarja preta. Mas essa noite, por exemplo, não teve jeito. A não ser que eu quisesse ver amanhecer o dia assistindo "Festival de Desenhos" na Globo. Coisa, aliás, inexplicável... Será que tem muita criança insone que assiste desenho às 5 da manhã?

É foda... Agora, por exemplo, estou morrendo de sono, mas tenho que ficar esperando o bendito vidraceiro que vai colocar o meu box e o meu espelho. Tem determinados prestadores de serviço que parecem ter um prazer mórbido em marcar os horários que você menos deseja que eles marquem. E quando você desiste de esperar e resolve tirar aquela soneca ou dar aquela cagada, eles tocam a campainha...

E com isso você perde tanto a oportunidade de tirar a soneca ou dar a cagada, quanto de estar fazendo alguma coisa de útil, tipo escrevendo a sua dissertação de mestrado, e fica escrevendo no blog.

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Feliz aniversário!

Pois é... estava esquecendo disso. Estou comemorando o meu aniversário: 19 anos que eu cheguei em Brasília, já trabalhando no feriado. Parabéns pra mim!

O que foi que eu ganhei com o tempo que eu trabalhava no feriado e com os sonhos todos que eu alimentei quando eu cheguei em Brasília? A mesma coisa que ganha quem ama acima de tudo a si mesmo: o Cafofo.

Ainda é dia de trabalho????

Putz!... Nem dez horas da noite de 1º de maio de 2008. Tem quantos anos mesmo que eu estava naquele show lá? Aquele da bomba-neném? Caralho... mais de trinta...

Mais de trinta anos se foram entre um Jan faceiro, que mal começava a compor as suas primeiras músicas e não entendia muito bem que bomba tinha estourado em que lugar... e esse Jan de agora, que já compôs todas as músicas e que entende muito bem onde a própria bomba estourou.

2º dia do Cafofo e eu continuo não morando lá, ainda. Pensei até em dormir lá, mas aquele frio voraz e inexistente, que gelava os meus ossos em 2004, voltou a atacar. Voltei pra bagunça que era o meu lar, mas pude dar uma examinada no que será o próximo "lar", primeiro. Confesso que até a Fada Azul bateu suas asinhas e fugiu.

Em primeiro lugar, vamos a uma pergunta retórica: qual é o sentido da expressão "na mesa em frente"? Quando você está sozinho, todas as mesas são "em frente". Ok.

Mas na primeira mesa em frente, da esquerda pra direita, havia uma reminiscência de sei-lá-quantas cidades do interior. Um casal de jecas e seus três filhos, devorando avidamente dúzias de pastéis daqueles que eu gosto e que custam 1 real. Acho que o que mais me marcou não foi a gulodice de feriado, com direito a gordura escorrendo do canto da boca, mas a barriga da menina. Saca aquele cabelo escorrido de "sou a cara da mamãe" e as banhas proeminentes na barriga? Aquela coisa de "nunca vou ser bonita que nem a mulher da novela"? Aquele ar de "tenho 14 anos mas nunca vou conseguir nada melhor pra mim do que um paraiba de camisa amarela e calça azul que me paga um pastel gordurento"?

Olha... falando sério... nada contra pastéis gordurentos, paraibas ou camisas amarelas com calças azuis. Mas tudo contra a falta de opção.

Embora opções não sejam o meu exato momento.

Aí chega o outro casal. Na mesa em frente, é claro, já que toda mesa é em frente quando a gente quer desviar o olhar. Ela: uns 40 e tantos anos sofridos. Ele: uns 20 anos, se tanto. Ambos: bêbados. Ambos: feios. É a companhia que eu posso esperar nas longas noites do Cafofo. Quem sabe eu consiga entabular uma longa conversa de Mestre em História e tornar essas pessoas menos bêbadas e mais feias?

Fechei a minha porta, pedi uma lata e saí. Voltei pro pré-cafofo, já que o frio imenso continua a incomodar. Mas a bagunça está grande. Preciso mesmo resolver isso amanhã e assumir o Cafofo, enquanto o que foi a minha vida se assume por si só.

A Fada Azul

A Fada Azul entrou na minha vida há apenas dois dias mas, pelo visto, vai ser minha companheira no Cafofo. Ela tem um nome esquisito, que está mais pra anão de Tolkien ou sacerdotisa de Gardner, por isso eu arrumei esse apelido pra ela, embora ela não seja azul, mas branca e azul.

Ela é pequenininha. Menor do que ela só as letrinhas da caixa onde ela mora. Mas pelo menos não é irritante que nem aquela Sininho do Peter Pan, sempre fazendo plim-plim e espalhando purpurina por onde passava. Digamos que a Fada Azul é fácil de engolir...

O problema com ela é que, como toda mulher nova na nossa vida, ela mexe com a minha cabeça. Tira um pouco do meu equilíbrio, me faz perder o sono, coisas assim. Faz exigências incompatíveis com a minha personalidade, tipo parar de beber minha cervejinha e meu whisky e, quando eu faço isso, ela briga comigo. Mas pelo menos ela levanta o meu astral. Estranhamente não me deixa pensar em problemas, dificuldades, nada disso.

Fico aqui pensando se eu quero fechar a porta do Cafofo e deixar a Fada Azul do lado de fora, ou se eu só vou conseguir fechar a porta do Cafofo se ela estiver lá dentro comigo...

Dia de trabalho

Primeiro dia do Cafofo... E eu não sei porra nenhuma de italiano, não! Isso aí em cima é só um fragmento de uma música que a Laura Pausini gravou, o Renato Russo gravou, e eu me meti a fazer uma versão e gravar. Quase deu certo.

Primeiro dia do Cafofo... e eu nem tô lá ainda. Só comprei lixeira, porta-shampoo, armário de banheiro, essas viadagens. E sofá-cama, também, que não é viadagem e o corpo e o Cafofo merecem. Bem como arrumei marceneiro pra montar meus móveis, vidraceiro pra fazer box pro banheiro - puxar os restos do banho com o rodo ninguém merece. Acho que arrumei até um garoto com uma kombi pra levar minhas coisas pra lá... mas vou pensar nesse assunto ainda.

Primeiro dia do Cafofo... Na pizzaria logo abaixo e na mesa ao lado estavam a ex-bonita, a chatinha e a lindinha. Um trio de mulheres-superpoderosas acompanhadas de A, B e C. O trio era esposa e filhos de A. A, B e C eram um trio de milicos que, como de costume, falavam apenas de suas miliquices e não estavam nem aí, na hora da sagrada cerveja, pro desespero da ex-bonita, pra chatice da chatinha, ou se a lindinha ia enfiar a batata frita no olho ou dar pro cachorro vadio lamber, antes de comer.

Primeiro dia do Cafofo... De repente, o ronco gutural de uma moto grande que vai parando. Lindinha, do alto do seu menos de um metro e de suas fraldas, corre pra rua. Eu me levanto correndo mas sou ultrapassado pela ex-bonita em um acesso de zelo materno. A, é claro, nem viu nada pois discutia os destinos da pátria-amada-idolatrada com B e C. Manero o meu passo e cumprimento a amiga motociclista que me chama para um lugar que eu não vou. Comento que vi o marido dela na TV mais cedo. Fim de papo.

Primeiro dia do Cafofo... Subitamente elevado ao posto de cabeludo-tatuado-amigo-da-motociclista-que-corre-pra-lindinha-não-ser-atropelada, resolvo voltar pra casa. A casa ainda não é o Cafofo, mas vai ser.