terça-feira, 24 de junho de 2008

O útil e o fútil

Ainda ontem (ou foi hoje de madrugada?) eu estava escrevendo aqui sobre essa coisa de ser útil... É interessante. Estive pensando melhor sobre isso e cheguei à conclusão que o interessante não é ser inútil, mas sim ser fútil. Não fútil como qualidade intrínseca da pessoa, ou seja, apenas se importar com futilidades, mas fútil como um objeto que se possui apenas por prazer.

Afinal, o que é uma coisa útil? É algo que serve a um determinado propósito, mas que você não dá nenhuma importância especial. Algo que é descartável por natureza. E algo do que as pessoas só sentem falta se precisam dele para fazer alguma coisa. Um saca-rolhas é útil. Mas ninguém sente falta de um, a não ser que tenha uma garrafa de vinho para abrir.

E, o que é pior!... Coisas úteis são facilmente substituíveis. Mesmo que você tenha uma garrafa de vinho para abrir e não tenha um saca-rolhas, haverão outros métodos (mesmo que mais trabalhosos) para abri-la. Útil é aquilo que diminui o seu trabalho. Uma faca cega e impossível de amolar, por exemplo, aumenta o seu trabalho. Seu único destino é o lixo.

Agora... uma coisa fútil é completamente diferente! Sua única razão de ser é dar prazer, e esse prazer não está, de forma alguma, associado à sua serventia. Por isso costumamos preservar indefinidamente nossas coisas fúteis. O precisar associado a algo fútil é completamente diferente do precisar associado a algo útil. É algo visceral, que vem de dentro, que nos completa. Ficamos felizes cada vez que obtemos alguma coisa fútil, porque ela vem ao encontro dos nossos desejos. Ninguém fica feliz ao comprar uma escova de dentes ou um rolo de papel higiênico.

Fútil começa com F... F de felicidade, de festa, de farra, de foda. Útil começa com U de uniforme. Nossas coisas fúteis ficam expostas, iluminadas. Temos prazer em exibi-las. Aquilo que é útil fica guardado em gavetas; só vê a luz por breves instantes e depois retorna ao escuro que permeia a utilidade.

Ei! Você esqueceu?

Esqueceu das noites intermináveis?
Da pouca vontade de dormir,
Da necessidade de ficar junto,
Do suor, do sono e do cobertor?
Das garrafas de vinho e
De pernas que não cansavam de se entrelaçar?

Ou era tudo mentira
E teu gozo era fingido?

Esqueceu das madrugadas geladas?
Do meu olhar no teu rosto,
Dos meus dedos no violão
Tocando pra você dormir?
Do sonho que um dia eu fui e
Que quando você dormia era pra ser eterno?

Ou era tudo mentira
E teu sonho era momentâneo?

Ei!
Você esqueceu?
Não te pedi nada além do que você queria.

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Outra segunda...

Mais uma segunda-feira. Tumultuada, como sempre... A cada segunda-feira é extremamente necessário que as pessoas coloquem os pés no chão, se aterrem e percebam o lugar ao qual elas pertencem. Essa sensação de "pertencer a algum lugar" é fundamental para começarmos as semanas sabendo o nosso lugar no mundo.

Eu, por exemplo, pertenço ao Cafofo. Conforme os dias avançam isso se torna cada vez mais claro para mim. Outros banheiros e camas já não são tão aconchegantes. O motivo é simples: eles não são meus. Logo, neles eu quando muito posso fingir que sou eu, ou ser um "eu" que eu já não sou mais.

Aqui no Cafofo eu descobri que eu não sirvo pra nada. Isso é uma sensação nova e extremamente reconfortante: não servir pra nada. Não conserto torneiras que eu não quebrei, não limpo a sujeira que eu não fiz, não pago contas que não são minhas, não procuro coisas que eu não perdi, não lembro de compromissos que eu não marquei, não faço almoços que não sejam para mim. Sou um completo inútil!

O mais interessante dessa minha total inutilidade, aqui no Cafofo, é que ela me transforma numa pessoa diferente. Sou outro eu, nesse lugar ao qual pertenço, ou que me pertence. Uma pessoa que desperta desejo, que é interessante, criativa. Sou uma espécie de paradoxo, pairando entre essa minha necessidade intrínseca de ser útil e a inutilidade que me eleva a um outro eu, que é muito melhor que útil: é vivo.

Ou talvez não seja nada disso. Talvez eu apenas esteja me pautando pela ilusão alheia, que deseja desesperadamente que eu não seja eu mesmo, mas sim, de preferência, algo bastante distinto de mim. Que não percebe que não é o lugar onde eu estou que me faz, ao passo que precisa me associar a outro lugar para poder fingir que eu não sou eu.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Manhãs de segunda

As manhãs de segunda são complementos ideais pras noites de domingo. Longe de serem aquela coisa estereotipada à la "gracinhas sem graça do Faustão", elas transmitem a real dimensão daquilo tudo que você pensou no domingo: ou seja, o que você ia fazer e na verdade não vai. Tudo aquilo que você achou que era e na verdade, não era.

De uma forma meio estranha, eu tenho me identificado, nesse pouco mais de mês e meio de Cafofo, com uma classe hoje em dia meio marginalizada: a das donas-de-casa. Sabem aquelas donas-de-casa tradicionais, que eram uma espécie de modelo ideal da mãe e da esposa, há pouco mais de um século? Ou melhor... que ainda são, para a maioria dos homens imbecis que povoam esse planeta. Pois é... tenho as compreendido melhor.

Vejamos... O que é o domingo para essas pessoas tristes, acabadas e sem graça? A perspectiva de, depois de acordar cedo e cuidar das crianças, ser levada para almoçar pelo "maridão" em alguma churrascaria vulgar ou pizzaria disgusting, onde ela, sem dúvida, vai ter que ficar administrando o conflito entre as crianças. Depois, vai pra casa continuar administrando tal conflito, enquanto o "maridão" se refestela de cerveja diante de algum jogo de futebol.

Sim... Isso é bem o estereótipo das "gracinhas sem graça do Faustão", eu sei. Mas ele se esquece de dizer que essas senhoras, nas noites de domingo, depois de colocarem as crianças para dormir e, quem sabe, cumprir a sua "obrigação conjugal", estarão com a mente repleta de pensamentos como os meus. Pensarão em qual é o valor que elas realmente têm. Em como elas eram, e "ainda são", pessoas especiais. Em quanto tudo o que fazem é sempre em vão, e em quanto qualquer deslize é o suficiente para transformá-las em aberrações inúteis. E, se não tiverem tendências suicidas ou homicidas, dirão igualmente que na segunda de manhã irão mudar tudo. E, na verdade, não mudam nada.

Terapia de segunda de manhã: cumprir as obrigações - café da manhã, crianças na escola, etc. e tal. Depois, uma boa faxina!... Panos, vassouras e rodos em atividade são aquela atividade física que você se prometeu. Talvez ouvindo aquela música que, normalmente, você não ouve. Você, dona-de-casa típica, será, como eu, inundada por uma corrente de serotonina que jogará todas as suas frustrações pelo mesmo ralo onde você torceu o pano imundo. Mas de repente bate uma dor de barriga e você tem que encarar com a sua bunda (encarar com a bunda?) a umidade da privada que você acabou de lavar. E isso traz qualquer um de volta à realidade.

Claro que há diferenças... Aqui no Cafofo os brinquedos caros que enfeitam a casa (guitarras, violões, equipamento de som) são meus. O cheiro que eu disfarço com produtos de limpeza e incenso é o do meu próprio cigarro. Mas a tristeza imensa do "isso não vai mudar nunca" é a mesma...

Acho que vou desafiar os médicos e tomar uma atitude típica de dona-de-casa revoltada: voltar a trabalhar. Mas vou deixar pra pensar nisso no próximo domingo à noite e colocar em prática na segunda de manhã.

Noites de domingo

Não... Não tem quinze dias que eu não escrevo aqui. Na verdade, tem quinze dias que eu começo a escrever e não termino, e fica tudo esquecido como um "rascunho" que, na verdade, nunca será terminado. Afinal, escrever alguma coisa, ainda mais que tenha a ver diretamente com a gente, é sempre algo "pá-pum!". Ou sai na hora ou não sai.

Mas fins de fins-de-semana são sempre uma boa possibilidade de pintar um "pá-pum!". As noites de domingo, ao menos para mim, sempre foram um bom momento pra olhar pra trás e ver tudo aquilo que não é. Tudo aquilo que poderia ter sido. Tudo aquilo que nunca vai ser. Ou, pior ainda, tudo aquilo que já foi e não será de novo.

Noites de domingo são sempre muito diferentes dos "dias de domingo" do Tim Maia. Ao contrário de todas aquelas cenas idílicas da música, a única "voz do coração" que fala nas noites de domingo é uma voz cansada, que nunca "fez de conta que ainda é cedo". Pelo contrário, ela sempre acha que já é tarde demais...

Não existe salvação nas noites de domingo. Mesmo para os crentes e devotos, toda esperança de redenção se exauriu há algumas horas atrás, quando o padre disse amém e os sentenciou a que fossem em paz e que o Senhor os acompanhasse. Na verdade, porém, o que acontece é que o Diabo nos carrega, e vamos curtir a ressaca de fim de domingo, sejamos religiosos ou não. Fico imaginando se o padre também sente isso ou, já que pra ele todo dia é domingo, basta tomar mais uma taça de um bom vinho, sem a obrigação de transformá-lo em sangue....

Domingos têm algo de definitivo... É ao fim dos domingos que temos a nítida percepção que pretendemos, na semana que se inicia, fazer um monte de coisas que não faremos. Seremos mais magros, mais corretos, mais pontuais, levaremos uma série de coisas mais a sério e levaremos a vida bem menos a sério. Teremos amores, aventuras, prazeres. Seremos pessoas novas depois do domingo. E, ao mesmo tempo, nos bate a certeza absoluta que seremos a mesma merda.

Um bom domingo nos leva a pensar no nosso verdadeiro lugar no mundo. Com sorte, nosso time ganhará o jogo, um brasileiro será vitorioso na Fórmula 1, nossas crianças não encherão muito o saco. E, no fim da noite, pensaremos que foi o time que ganhou, que foi outro brasileiro que ganhou, e não nós. Quando muito, alguns terão o consolo de saber que as crianças enchem o saco por quererem sua companhia, não sua conta bancária.

Fico aqui pensando há quanto tempo os meus domingos têm sido iguais, e não por causa da segunda-feira que se aproxima. O quanto eles me têm feito cair na real. Passar um final de semana em pleno gozo da minha função familiar e paterna, entre ping-pongs, parques de diversões, vestibular de filho e filmes no DVD. Acordar cedo e fazer o café, e de repente um cachorro-quente pra estragar as crianças logo de manhã. Comprar o frango e fazer o "macarrão do papai" com molho branco...

Aí olhar pra trás e ver que não rola mais o "ninho de gente" assistindo filme no sábado à noite. Afinal, as costas doem... Que as tristezas acumuladas ao longo dos anos nunca vão se transformar em alegrias. Que tudo aquilo de parques, vestibulares, filmes e cachorros-quentes é ilusório e se desfaz com a mesma facilidade que uma mensagem qualquer é postada num "site de relacionamentos" qualquer.

Afinal, os domingos nos mostram que toda aquela nossa suposta realidade, aquilo que acreditamos ser real - filhos, ping-pongs, macarrões - são meras quimeras onde escondemos aquilo que poderíamos ser. Nossa verdade, em cada domingo, está escrita apenas nos lugares onde nos situamos indefesos e indefensáveis.

Talvez essa seja a grande verdade dos domingos: somos obrigados a encarar que não somos aquilo que pensamos de nós. Nosso lugar no mundo não é feito de algum agradável aroma de rosas que damos ou recebemos, mas do fedor de esgoto com que deparamos quando abrimos a porta do Cafofo. Não somos aquilo que pensamos que somos. Somos aquilo que, miseravelmente, pensam de nós, não importa o que façamos.